sábado, 8 de setembro de 2007


Apresentação do Livro, por Manuel Saiote : 21/Jul/2007 11:13
José... por acaso!

Quando, pela primeira vez li um texto do José Torres, fiquei com a certeza de que tinha lido algo de um dos escritores mais expressivos e fortes no universo da escrita portuguesa. Exagero? Não, de forma nenhuma. Apenas a constatação de que, entre os desconhecidos, quem escreve pode ser tão bom ou melhor que muitos dos que são propagandeados.

“A criação” é o título daquela que foi a minha primeira leitura do autor. Um texto curto (com o tamanho exacto para não cair na asneira vulgar), de traços “bocageanos” e cheio de conteúdo:

/O poeta nu / sentou sobre uma cadeira /o pesado cu /e masturbou um poema / Nasceu o Tu / e tinha acne / Era grande e pesado / cheirava a peixe e partiu / O poeta que o pariu / fui.”

Li-o como uma forma muito própria (brilhante, até!) do autor se apresentar, usando o texto como um óptimo cartão de visita. Nele tudo é torneado e polido pelo contexto, denunciando a habilidade e a arte do poeta no manuseamento das palavras tornando-as (todas) poesia.

O José Ilídio Torres é, podemos dizer, um realizador ímpar de obras escritas. Quem o lê, inevitavelmente, fica a olhar para a sua obra com olhos de ver, ler, sentir, cheirar e saborear. A maestria com que rege a sua orquestra de palavras tem o dom de cativar a leitura pela criatividade, vivacidade e dinâmica da escrita.Diz, em certo ponto que nasceu poeta:

/ "Nasci poeta / metade profeta / metade pateta / e não fui o primeiro”

noutro, que amarrotou e chutou a má poesia para longe,

/ “amarrotei a má poesia / esmaguei-a e chutei-a / para longe / para o mar / que a enrolou / de onda em onda /
/ de vento em vento / de pôpa em pôpa / até cair na areia / moribunda e reles...”

ou que se deita nas palavras,

/ “...nas palavras me deito / com elas escrevo as noites
verso após verso contando as horas / que as noites demoram a se deitar / nas palavras me deito / com elas me cinjo” /

de facto, o poeta é e faz tudo isso e mais... conta histórias. E fá-lo com a mesma medida e arte que usa na poesia.A sua versatilidade em termos de estilo e forma de texto e temática, faz dele uma espécie de homem-palavra multifacetado, com uma enorme sensibilidade e capacidade para a produção literária, não se amedrontando com temas perigosos ou de difícil equilíbrio numa linha de bom gosto e educação.
Leiam-se os seus temas eróticos ou os de crítica mais cáustica e entender-se-á o sentido deste comentário.

O homem destila as palavras, filtra-as e reconstrói-lhes os sentidos. Não há muitos que o consigam fazer com uma amplitude tão grande como o José.

Em jeito de conclusão direi que, quando, por obra do acaso, nos deparamos com um escritor da estirpe do José Torres, que consegue navegar na escrita sem pedir meças a nenhum ilustre, que consegue ser poeta, prosista, intervencionista e amigo que imortaliza os seus amigos com alma e mão de grande escritor... devemos seriamente questionar: Mas o que é que andamos por aí a ler quando só por acaso se conhecem os nossos grandes escritores?

Manuel Joaquim Matias Saiote (Comunicador)

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