Chamava-se Quim. Não sei se alguma vez nos cruzamos nas ruas da cidade.
Desconfio que sim. Afinal as cidades são esmagadoramente pequenas por maiores que sejam.
E parece que morávamos até em Bairros próximos. Divididos por uma via rápida. A mesma que matou o escritor de rua esquecido, atropelado por alguém que nunca leu um livro.
Chamava-se Quim, e morava num pacote de heroína, que tinha dentro todo o lixo civilizacional. Chamava-se beco, cingia-se de prata e fogo.
Não sei se fui um dos que cruzou os braços, quando por ele passou na rua do esquecimento…
Não me lembro.
Não me lembro de mo terem apresentado, dizendo: Chama-se Joaquim, mora dentro dele um homem como tu.
Eu andava demasiado ocupado em ser racional. Andava cansado.
Por isso não o vi no escuro, quando entrou furtivamente na central eléctrica.
Não vi que levava as mãos nuas e sapatos de terra nos pés. Não o vi contentar-se com cobre, que nunca em menino sonhou com ouro, nem o ouvi a mandar calar o silêncio, quando um cachorro vadio o tentou alertar do perigo com um latido.
Vi o seu corpo em fogo naquela notícia de jornal.
Foram 15.000 volts de indiferença que o mataram.
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