Fiavas as palavras horas a fio. Com o novelo dos dias, um após outro, tecias o longo tapete de tempo por onde te urdias.
Por isso, ninguém te esperava do outro lado de ti quando apareceste sem avisar, regressado de todas as viagens feitas num livro.
Amor e ódio de igual maneira repartido, ilusão e queda pelos mesmos sentidos.
Dos heróis clássicos vestias todo o romantismo: Romeu, D. Juan, Quixote…E havia até um certo modernismo na forma como calçavas a desilusão dos prédios, como te avistavas em cada janela espreitando-te. Em cada longa avenida de passos perdidos.
Chegaste sem avisar, e a cidade já não te reconhecia.
Lembravas-te de ter uma família, filhos que brincavam no pátio. Havia até um cão de orelhas espevitadas, mas não te conseguias recordar do nome.
Apanhaste um táxi inglês e foste à procura das tuas memórias. Desembocaram numa casa pequenina, daquelas que conhecias das fábulas, dos contos infantis. Telhas de chocolate, cerca de madeira pintada de vermelho vivo.
A casota do cão ao fundo do jardim era de banda desenhada e havia um balão por cima com a inscrição: zzzzzz… Caminhaste devagar para não o acordar. Bateste à porta quase em surdina, pois tinhas um certo receio de despertar em ti memórias de sonhos passados que não sabias se tinhas vivido…
Ouviste passos. Caminharam em direcção a ti. Abriram-te a porta.
Eras tu, e habitavas naquela casa de escrita, de onde nunca tinhas saído.
Sentaste-te na velha cadeira de baloiço que te ofereceste, bebeste contigo calmamente um chá que fizeste. Folheaste o jornal.
A notícia do dia falava de um escritor galardoado. Da forma como tinha intermediado um conflito armado e tinha sido alcançada a paz, de como os homens se tinham unido para construir um futuro melhor, participado e livre.
Recostaste-te na cadeira baloiçando de cá para lá no tempo, e nesse processo fechaste os olhos, satisfeito.
Lá fora, o chilreio das crianças, chegava finalmente pela mão da Primavera.
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