sexta-feira, 3 de abril de 2009

O Gigante


Acenei para o Gigante quando saí da aldeia a caminho do mar, e fiquei com a sensação de que a sua mão levantada quis dizer algo mais que Bom Dia. Talvez tivesse perdido o ensejo de me cravar uma cerveja, apesar de ser só início da manhã, ou quiçá apenas um cigarro…
Apesar disso, rapidamente me esqueci da sua figura de metro e cinquenta de altura e quarenta e tal quilos de peso, numa roupa larga.
Cheguei conduzido por pensamentos aflitos, por isso quase não me lembro da viagem, muito menos da paisagem do caminho, que essa, já fiz tantas vezes quantas as vezes em que a atracção do mar falou mais alto dentro de mim.
Quando me vi estava no meio das gentes sem as avistar, e guiava-me por gritos de gaivota que não estou certo ter ouvido de facto.
Vesti os olhos na suave neblina e vi o farol da foz pelo som rouco de aviso que logo depois parou.
Parecia um encontro de namorados. Eu levava na mão o desejo louco de afagar a face morena da areia, de me perder no beijo meigo das águas, e de morrer por esse amor.
O rio recuou quando cheguei, penso que até antes, enciumado.
Do mar vinha a corrente salgada a rumar no sentido contrário da minha viagem, que afinal foi ponto de partida, abraçando o corpo de dunas.
Sempre fico nos lugares de onde parto, mesmo quando me procuro. A minha vida é um eterno retorno, do qual eu próprio sou farol.
É de mim que me avisto para o outro, e sou irremediavelmente uma conjugação presente de todos os tempos.
E tenho medo às vezes. Tanto que me disfarço de tudo o que sou de facto só para que isso não me aborreça, para que o tédio não me provoque arteriosclerose nos olhos por onde me avisto.
Passeei nas margens da memória, por entre musgo e patos bravos e não toquei sequer o chão. A leveza daquele mar amado, a ele sempre retornado, fazia de cada pequeno momento uma eternidade. De sol quente sobre os ombros, sacudindo poemas cravados nas costas, desaguei.
Devo ter regressado na maré-alta ao cruzamento de onde avistei pela manhã o Gigante, qual Adamastor de metro e meio afagando-me num atrasado cumprimento.
Encontrei-o no café de sempre, a jogar dominó com o vento.
Juro que da sua mão vi sair gaivotas, quando mais tarde, antes ainda de me pedir uma cerveja, abraçando-me nos olhos me disse que eu estava com problemas na vida, e que se precisasse dele estaria presente como um amigo.
E tentou explicar-me porquê, mas não precisou, porque eu já voava em bando com a minha verdade, desafiando a liberdade com a asa.

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