quinta-feira, 20 de março de 2008

O escritor é a sua árvore

Foto: João Luz

Nem sequer uma ideia. Nada.

Desaprendera de escrever. Tinha a certeza que era isso que lhe acontecia. Uma quadra que fosse, de rima pobre, não importava; uma crónica infeliz sobre qualquer tema, uma prosa curta e sincopada.
Tentava mas não conseguia.

Não podia ser falta de inspiração, que mesmo quando disso enfermava, sempre escrevia qualquer coisa, nem que fosse para rasgar de seguida…. Mas então que raio se passava?

O escritor que já não o era, não encontrando respostas para a sua pensada desgraça, sentou-se no alpendre da casa fitando longamente a paisagem. Mudo e quieto.

Ficou assim por um tempo. Muito tempo...

As raízes romperam a terra e as tábuas, envolveram primeiro a cadeira onde se sentara, depois entrelaçaram-se nas suas pernas, abraçaram o seu tronco…

Sentiu-se invadido por uma estranha serenidade. Um pássaro colorido poisou num ramo que lhe saía dos dedos esticados da mão direita. Acariciou-o com a leveza das folhas.

Com o passar dos anos, o escritor que tinha desaprendido de escrever, transformou-se num imponente carvalho. De braços fortes estendidos ao longo do seu corpo alto e belo, fitando a paisagem à qual já pertencia...

Um dia o fogo chegou perto. Sentiu primeiro um imenso calor a subir pelo tronco, depois as chamas a roçarem-lhe a pele, secando lentamente a sua alma de madeira.

Um casal de bicos de lacre levantou voo apressado, deixando para trás o seu ninho de amor. Quis voar também, mas não conseguiu...

O Carvalho queimado que tinha sido escritor um dia, foi cortado pela base. Carregaram-no junto com outras vítimas da incúria dos homens num grande camião, a caminho da fábrica de papel.

Depois de um processo longo de transformação, acabou muito enroladinho, pronto para uma nova etapa.

Estava encantado, e nem mesmo quando a afiada guilhotina dispersou o seu ser por mil folhas brancas, se sentiu perdido ou só.

Estava vivo em cada pedaço.…


...

O escritor não consegue escrever. Falta-lhe inspiração, vive angustiado no branco do papel…Deixa rolar uma lágrima dos olhos, que cai na folha imaculada que tem à sua frente. Estranhamente esta deixa uma marca de sangue no papel.


- Já sei, disse, como se de repente a inspiração tivesse voltado.


E começou a pintar a folha com palavras.

7 comentários:

Anónimo disse...

Conspirando contra o poema, diria: inspiração essa musa dos inválidos.
Marquise ou buraco, o importante é lobrigar as estrelas…

Na verdade o poema diz:
“Sem musa ou desdém por esse papoila dos inválidos”

Sabes de quem é o dito?
GabrielPedro

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
vieira calado disse...

Gostei deste seu texto.
A ideia é boa. A consecução, melhor.
Um abraço

Unknown disse...

Adoro este texto e a frase final é marcante:

"E começou a pintar a folha com palavras."

Lindo, como todas as tuas palavras!

Beijo

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá amigo,

Um botão está a surgir...
Vai formar-se uma flor,
será perfeito ao abrir,
será frágil como o amor ?

Votos de bom fim de semana...
Beijinhos de carinho,
Fernandinha

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

Olá professor!Gostei muito do seu blog...só o vim espreitar hoje!

As fotos e os textos tao originais tal como todas as suas aulas são!


Bjinhos da Raquel do 6ºB
=D