segunda-feira, 12 de maio de 2008

Enforquei-me hoje na oliveira do meu quintal

Foto: João Luz

Enforquei-me hoje na oliveira do meu quintal. Não que tivesse dado conta. Contaram-me.

Pelos vistos, a angústia de existir tomou conta de mim. Segundo me disseram, nos últimos tempos eu andava já um pouco estranho, dando mostras de algum descontrolo, principalmente durante os telejornais, quebrando repetidamente qualquer televisão que encontrasse pela frente.

Mas segundo parece, também quando frequentava manifestações de grupos minoritários empunhando cartazes com palavras de ordem, quase todas incompreendidas pelos próprios manifestantes.

Houve vezes até, em que, segundo consta, pintei algumas caixas Multibanco com tinta preta. Tinha esperança que o mundo percebesse que o dinheiro tinha morrido, lado a lado com tirania, a exploração e a miséria. A fome.

Não me lembro.Lembro-me de ser domingo. De haver um padre igual a todos os outros. Tocava o sino na falta do sacristão, empenhado e de saiote subindo no esforço. Lembro-me das meias: Eram à Porto. Porra, eram à Porto…

Se me lembro disto, porque raio não me lembro que estou morto?

Morri pela hora do meio-dia. Dizem que morreu comigo um cão sarnento. Nem compaixão nem lamento.

Morri hoje mais uma vez. Não que tivesse dado conta, contaram-me.

Sem comentários: