quarta-feira, 21 de maio de 2008

Porque me roem as térmitas os dedos?

Foto: João Luz
Respiro escrita pelos dedos.

Tenho as palavras nos poros encravadas como pelos.

Não me deixam dormir de tão ofertadas

Fazem barulhos estranhos durante a noite,

Como se fossem térmitas a roer-me despudoradas.


Sempre que olho para o lado vazio da minha cama,

Há mulheres deitadas com palavras, quase térmitas roendo-me.

Cada uma, um verso, um começo, uma prosa sem defeito.

Cada uma um final impossível de ser escrito.

Em cada uma um poema de alcova, insatisfeito mas dito.


E as que me olham desconfiadas,

Acendem cigarros no meu beijo e descruzam as pernas ao texto,

Como se eu tivesse merecido o direito à sorte,

Afinal, a minha vida é um eterno feminino:

- Palavra, escrita, desdita, morte.

A minha vida um desassossegado sopro de menino.


Já amei muitas palavras, fiz amor com o desgosto.

A quase todas despi os segredos, domestiquei os medos.

Fui amigo, amante, marido. Fui guerreiro e tombei ferido.

Sei que cada uma é uma só e o seu oposto.

Um pecado original repetido.


E se sei isto… porque me roem afinal as térmitas os dedos?

2 comentários:

Anónimo disse...

Aqui estive com muito prazer a visitar este espaço que desconhecia.
Deste poema gostei imenso. Prometo voltar. E já agora, fiquei sem saber qual o teu poema mais formoso, aquele que dizes sarcástico. Bocaje foi, esencialmente, um poeta sarcástico...e pudessemos nós alcançar seu estro!
Eu não possuo esse dom, mas aprecio-o nos outros.
Parabéns e um beijo
Bernardete

Anónimo disse...

Bolas, José! No comentário Bocage ficou com erro, nem sei como!!!
No meu tempo dizia-se erro de palmatória...Foi corrigido, só que não ficou registada a correcção!
Mais um abraço,
Bernardete