domingo, 9 de setembro de 2007

Conto: Susana só



Abriu a pesada porta da garagem e a luz solar iluminou a um canto a velha bicicleta que lhe passeou a adolescência, desde o dia do seu 12º aniversário, oferta do pai.
Cinco anos e uns quantos meses passaram desde esse dia em que, Susana, extasiada se lançou vereda abaixo disposta a conquistar a estrada, mas que a traiçoeira areia, junto à casa da Mariquinhas, tratou de por um ponto final à aventura, pelo menos nessa tarde fatidica, marcada a tintura e lágrimas.
Agora que a entrada na Universidade era certa e as férias começavam, sentiu vontade de montar na garupa 24 e partir de novo à aventura, mesmo porque as mazelas antigas eram já só memórias cicatrizadas.
Os shorts curtos e o top rosa inundado pelos seus caracois fartos eram tudo o que precisava para se sentir livre.
Pedalou distraída pela velha estrada que noutros tempos aturou o ranger das rodas debroadas a aço ferrugento da carroça do zé moleiro, disposta a fazer o caminho que a levaria à cascata do poeta.
Pelo caminho bebeu os cheiros quentes da terra e colheu flores coloridas que guardou no cesto lilás da sua velha bicicleta da infância. Estava feliz, despreocupada, como se tudo no mundo fosse belo e a sua vida só agora começasse.
Chegada ao destino, apeou com facilidade da bicicleta de selim subido, cuja marca estava tingida a suor no short delicado que trazia. Achou piada aquele triangulo esculpido sobre a sua silhueta de menina-mulher e instintivamente a sua mão delicada tocou o seu sexo num arrepio que pediu licença à boca para sair, num gemido surdo que quase espantou os passaros...
Estava excitada e como o olhar em redor trazia só o eco pingante da água da cascata, procurou com o desejo afiado, uma pedra romba para se sentar, ali bem próximo da água.
A sua mão, húmida nos dedos da humidade quente que exalava da sua delicada vagina, percorreu com ardor a entrada da sua pequena e depilada gruta, em movimentos cadenciados e de carícias feitos. Desceu o calção com sensualidade e a pedra quente gemeu também.
Não sabia bem dizer há quanto tempo estava ali perdida naqueles movimentos, nem o sabiam dizer os seus pequenos seios de bicos marmóreos, grandes o suficiente para sentirem a brisa acaricia-los e envolvê-los.
Num repente, na nesga de um olhar perdido pensou ver um vulto por detrás de um arbusto. Não se assustou porém o suficiente para estremecer ou perder a compostura, como se tal fôsse possível na candura agitada que toda ela exalava em perfeita comunhão com a natureza que lhe conhecia o nome.
Susana ficou ainda mais excitada com a possibilidade de estar a ser observada. Levantou-se delicadamente e a pretexto de preparar um banho relaxante nas águas cálidas da lagoa, não deixou de reparar pelo canto do olho, agora mais claramente, que um jovem rapaz, em movimentos frenéticos de mão, dava largas a um desejo que o consumia e que envolvia em comunhão o folhedo, o que quase a fez rir e estragar tudo...Entrou na água sem que os peixes dessem por ela, despida de medos, receios. A sua comunhão com a natureza era perfeita, como se pertencesse ali e dali nunca tivesse saído, sob pena de o quadro perder todo o equilibrio, toda a grandeza das coisas simples.
Viu, pelos olhos dos peixes, o secreto amigo segurar na cintura magra um par de calças fugidias, atarefado , enquanto deslizava com aparente facilidade os pés descalços pela íngreme escarpa. Ter-se-ía assustado?
-Olha! Onde vais, não precisas de fugir!
O rapaz parou subitamente.
O seu cabelo comprido tapava a espaços todo o sol e, sempre que isso acontecia, aquele rosto de feições afiadas brilhava com o brilho que tem o bronze, sereno agora como uma estátua, fitando com seus olhos redondos e verdejantes aquela que o interpelava.
- Chamo-me Jorge, refilou quase irritado, como garoto descoberto a meio da travessura.
- Susana Maria! respondeu-lhe a ágil nadadora, submergindo os ombros redondos no espelho d’água, deixando vísivel por um eterno segundo as roliças formas do seu rabo.
-Só Susana!
Como?.... perguntou, repelindo a água com os braços.
-Gosto mais de Susana.
-Seja...
Jorge era cigano. Cigano como todos os seus, dono da noite e do dia, das estradas empoeiradas sem regresso anunciado. Aprendera desde novo a linguagem surda da natureza, conhecia-lhe as formas em mutação e foi gerado, parido e agasalhado num ventre de urze e estrelas.
O que Jorge nunca vira nem sentira era o pulsar da natureza no corpo de uma mulher tão bela.
Sem reparar, deu por si de garganta seca, ali a dois passos da água, à distância quase impossível de um só passo que fôsse. hesitou o tempo suficiente para que a sua mão morena afastasse dos seus olhos –prado, uma madeixa de sol posto que ancorava em fio no lábio superior da sua boca desenhada.
- Estou acampado aqui perto! Disparou satisfeito com a mão em concha escorrendo uma nesga de água que sobrou do gôlo sôfrego.
- Não queres entrar? disse Susana esperançada...
- Talvez mais logo, pronunciou convicto, afastando-se em direcção a uns arbustos de onde colheu amoras rubras que juntou com rebeldia na fralda suja da camisa. Apontou-as com o indicador e o queixo, oferecendo-as a Susana, que deixava advinhar todos os seus encantos por debaixo da roupa molhada.
Ficaram ali, boca suja escorrendo o barulho da cascata, sorrindo pelos passaros.
Até que um assobio colocado, ondulando pelas pedras, os acordou daqueles momentos satisfeitos.
Era Juan quem se anunciava ao longe, pelo cheiro dos cães, pelo faro estuto dos passos, pelos galhos a pedir clemência.
-Tenho que ir! Preciso de ir! Disse com a voz presa na trela daquele assobio curto, como se a demora tivesse começado a contar no preciso momento em que a lingua se dobrou no palato.
-Encontramo-nos à noite aqui? inquiriu Susana, aumentando o volume da sua voz cândida à medida que Jorge se afastava.
A resposta não veio.
O jantar foi engolido entre duas notícias no telejornal e a boca ainda cheia de uma meia desculpa para o pai, desconfiado da filha e do vinho que Dona Emilia, a mãe, colocara na mesa.
-Já não se fazem filhos, nem vinho, como antigamente...
O caminho demorou pouco tempo a fazer. Foi correndo, que a noite estava estralada como nunca e a lua brilhava serena, deixando escapar aqui e ali um bocejo.
Susana era toda ela palpitação. Sentia correr o sangue nas veias, na tez queimada, no sexo apertado. Chegou à Cascata do Poeta toda ela aberta por dentro, ofegante de desejo.
Ficou à espera o tempo suficiente para ser surpreendida pelas mãos nuas, pelo tronco nú, pelo sexo ardente de Jorge, que a tomou pelos quadris, apertando-a para onde não havia lugar para escapar, nem memória.
O vestido de Susana caiu naturalmente, como se fôsse feito da mais pura seda fugidia. Por baixo nada, que a ideia do aperto, nem que suave, da malha contra o corpo, era suficiente como desculpa.
Jorge tomou-a, como se toma a água, bebendo-a e penetrando-a de uma vez só, de uma só golada.
A noite quente foi a única testemunha e a água da lagoa apadrinhou a união lavando os corpos extasiados à deriva.
No ar ficou a promessa de um novo encontro que nunca veio a acontecer.
A brisa levou o cheiro crú de Jorge, a poeira do caminho suspirou no reencontro das rodas de madeira das carroças com as pedras soltas do caminho, gravando sulcos, hieroglifos de uma história fugaz de amor.
Susana reencontrou mais tarde a terra que a viu partir, formada, casada e com filhos chilreando à sua volta.
Nesse verão a lagoa estava ainda mais bela que antes. As flores tomavam as margens, inundando-as. As duas filhas mais novas brincavam para além do olhar distante do mano velho, autoritário na paisagem. Dir-de-ía que a pedra onde repousava era uma espécie de pedestal para aquele Adonis moreno, que parecia recolher o tributo de ser o senhor daquele lugar. Desde sempre.
Susana acercou-se do seu rebento acariciando-lhe a testa e sorrindo pelos seus lábios.
- Tudo bem Jorge?
- Sim mãe. Contas-me outra vez aquela história que me contavas quando era pequeno... aquela do cigano que um dia resgatou das águas uma princesa encantada que lhe deu como prémio a terra e o céu...
-Só se fores tomar um banho que estás todo sujo.
-Só isso...
-Só. Respondeu Susana , vendo o seu filho mergulhar altivo para dentro do espelho.

FIM

in: "A tristeza matou os peixes que nadavam nos tes olhos"
Corpos Editora - Vila Nova de Gaia - Junho/2007

1 comentário:

Anónimo disse...

lindo...

emília (biblioteca)