terça-feira, 28 de outubro de 2008

Balada de um amor só

Olha-me nos olhos
Olha-me só
Olha-me
Só nos olhos

Que vês no que vês
Vês só os olhos
Os vês
Só o que vês?

Olha-me agora
Neste instante que te olha
Que vês?
Só os meus olhos sós
Ou só o que vês?

Olho-te nos olhos
Sei o que vejo
Não me vejo só
Só porque me vês.


R - todos os direitos reservados

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

À vossa


Decidi dar um novo rumo a este blog...
Saúde.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

O Rio do Esquecimento


.
Tapeçaria de Almada Negreiros existente no Hotel de Santa Luzia em Viana do Castelo
" Comandadas por Décios Junos Brutos, as hostes romanas atingiram a margem esquerda do Lima no ano 135 aC. A beleza do lugar as fez julgarem-se perante o lendário rio Lethes, que apagava todas as lembranças da memória de quem o atravessasse, os soldados negaram-se a atravessá-lo. Então, empunhando o estandarte das águias de Roma o comandante chamou da outra margem a cada soldado pelo seu nome. Assim lhes provou não ser esse o rio do esquecimento."
________________________________________
«Com relação ao rio Lima, história e lenda encontram-se tão interligadas que nem sempre é fácil delimitar onde acaba uma e começa outra.
Foi sempre a beleza do rio a provocar encómios e o sentimento de incapacidade duma expressão condigna a atrair o poder sugestivo da lenda.
Vem dos velhos tempos o processo. Estrabão designou-o por Beliom e relata ter ocorrido nas suas margens um episódio militar entre Túrdulos e Célticos.
Iam já a atravessá-lo quando surgiu entre os dois povos uma discórdia.
Lutaram e foi o sangue do próprio comandante que se juntou ao de muitos outros a macular a brancura das águas.
Desorientados ficaram os soldados e, sem comando, se dispersaram pelas margens, em luta pela sobrevivência.
Lucano chamou-lhe o "Deus do Tacitus", em virtude da mansidão com que corriam as suas águas.
Tito Lívio denominou-o "Rio do Esquecimento" ("Oblivionis fluvis ou flumen").
Surgiu, então, a sua identificação como Lethes da mitologia, que tinha o condão de provocar em todos os que o transpusessem o olvido do passado e da própria pátria.
Campos Elísios passaram, em consequência, a apelidar-se os que circundavam, isto é, as suas margens.
Mais semelhantes a jardins, no conceito mitológico; onde, segundo o testemunho de Políbio, só durante três meses do ano as rosas não floriam.
E ainda Estrabão que nos diz ser esta a terra perfeita por qualquer fugitivo de Roma.
Dentro deste condicionalismo, aqui chegaram um dia, sob o comando de Décios Junos Brutos, as legiões romanas, com as altivas águias a tremularem nos pendões.
Vitoriosas haviam pisado as terras que estavam para sul e propunham-se prosseguir.
Desciam, a justante, dos lados de Ponte de Lima e teriam iniciado a jornada desse dia em Vitorino das Donas:
"Daqui saiu Bruto pelos campos tão celebrados com o nome de Elysios a procurar lugar em que com o seu exército pudesse vadear as cristalinas águas do Lethes tão respeitadas com a fabula virtude de encantadoras." (João de Barros, Antiguidades de Entre Douro e Minho).
Encontravam-se no lugar da Passagem e fácil pareceu ao comandante a travessia.
Nesse sentido emitiu ordens, mas encarniçada se revelou a resistência dos soldados, conhecedores como eram dos poderes sortílegos atribuídos às suas águas.
Não perdeu ele a serenidade nem achou conveniente procurar convencê-los por meio de palavras.
Tomou a bandeira, ergueu-a ao alto, transpôs o vau e, já da outra margem, a muitos chamou pelo nome e incitou a seguirem-lhe o exemplo.
Por esse meio os convenceu de que, afinal, não era verdade o que a lenda propalava.
Assim exaltado nos advém, das mais longínquas eras, o fascínio deste rio que até aos nossos dias tem sido cantado por todos quantos puderam contemplá-lo.»
Conde de Bertiandos, in Lendas, 1898.

Conto: O Rio do Esquecimento Por: José Ilídio Torres

Festejava-se no acampamento romano a vitória desse dia do homem sobre a lenda, do poder de chefia de Júnio sobre as forças da natureza.
Os soldados comiam e bebiam junto às fogueiras acesas na noite, que todavia não precisava delas para iluminar as formas. A lua era gigante nos céus, e parecia juntar-se à celebração, rendida à valentia e coragem daquele comandante.
A sombra das lanças cruzadas e das águias nos pendões, difundia-se pelos chãos, na confiança longa da caminhada que os trouxera de sul.
Perto da margem, os cavalos bebiam da tranquilidade do Lethes, que inundava de roseiras os terrenos. Pequenas e bravias, mas rubras de um sangue adivinhado. Apesar de tudo, longe daquele que foi derramado ao tempo de Viriato, e que por aqueles anos era já só uma memória vaga de resistência e valentia na voz dos velhos anciãos dos povos daqueles lugares.
Outrora unidos na defesa de um território, corria sangue Celta e Ibério, nas veias dos que eram também lusitanos.
O astuto Viriato conseguiu durante anos unir culturas diversas em torno de um ideal de defesa, infligindo amarguradas humilhações aos romanos invasores, dispostos a alargar o seu império do ocidente, conquistando esta terra de enorme valor estratégico no controlo das rotas.
Matou-o a traição daqueles que controlava com pulso de ferro, que não resistiram ao brilho e esplendor das armas, ao garbo do invasor, ansiosos que estavam por uma riqueza fácil e uma união prometida.
Mas isso já era passado. A noite daquele dia pertencia ao descendente dos Brutus romanos, cujo nome haveria de ficar intimamente ligado à história da Gloriosa Roma, que estenderia os seus tentáculos de poder por mais quatro séculos no ocidente.
Por isso, bebiam os homens com tempo, a cerveja ( uma bebida de fermentação que já se fazia nessa altura) saqueada nas aldeias, e rodeavam-se das virgens que deixavam de o ser em noites de euforia como estas e que acompanhavam os exércitos no seu caminhar, roubadas aos pais, mais todos os alimentos e animais necessários às tropas.
As mais belas moças estavam destinadas ao comandante e seus chefes militares.
Naquele dia Brutus achou que merecia a mais bela. Mandou chamar para o seu leito uma jovem de cabelos cor de trigo, agarrados ao longo de um entrançado de flores, filha de um druida que encontraram num pedaço de floresta, e que vivia sozinho com ela.
A rapariga apareceu à sua beira trespassada pela luz do exterior. Numa túnica branca que lhe foi dada a vestir, sem mais nada por debaixo, depois das mulheres a terem perfumado em banho de rosas colhidas às margens.
O heróico comandante tremeu com a sua beleza, ele um homem bravo e destemido. O seu corpo tinha as formas do rio, de braços longos e mãos finas, como se uma deusa se tratasse. Os olhos de água, cheios de um brilho que ofuscava, como se fazendo parte daquele que a lua exalava.
Chamou-lhe Roma.
Possui-a como um bárbaro. Ofegante. Várias vezes. Sem que em nenhuma delas a moça mexesse os olhos abertos, ou cerrasse os lábios desenhados por um estranho sorriso..
O sangue da sua desfloração, colara-se à barriga e ao sexo do invasor daquele corpo sereno como as águas do Lethes.
Brutos adormeceu extasiado da bebida e daquela prenda dos deuses com que se lambuzara, sonhando com a sua Roma de circos, de comércio, esplendor e prosperidade, sentindo-se dela um filho dedicado.
Nessa noite fora também amante dela no corpo belo de uma outra, e não viu nem reparou quando esta deixou a tenda caminhando, libertando os cabelos antes cerrados por flores, em passos que abriam olhos de luz na terra como se rosas germinando se tratassem.
Passou por alguns soldados ébrios que não conseguiram sair da intenção de a agarrar, continuando a sua imperturbável caminhada até entrar nas águas, que não mexiam à sua passagem, para grande espanto de alguns romanos que a observavam de perto.
Todos pensaram que tal facto se deveria à bebida ingerida, esfregando os olhos para sair daquele estado de alucinação ou miragem, mas sem resultados práticos.
Alguns tentaram caminhar na sua direcção, mas sentiram as pernas presas, incapazes de se moverem.
A jovem desapareceu numa tranquilidade de morte nas águas do rio, e durante alguns minutos o silêncio foi total no acampamento. Nem um único ruído. Até que os cavalos começaram a relinchar como loucos, levantando as patas no ar, tentando a todo o custo libertarem-se das cordas, tornando impossível que qualquer um chegasse perto.
Foram avisar o comandante daquilo que se passava, vindo este embrulhado no pano que o cobria até junto das águas, na esperança de ver aparecer o corpo da malograda rapariga, que todos pensaram, ele próprio incluído, havia escolhido a morte como fuga.
-Paciência, não faltariam mulheres bonitas na caminhada. E em todas desembainharia a sua libido. – Foi o que pensou quando já se retirava novamente para a tenda para descansar. Porém algo estava diferente na noite. Como se a luz da lua tivesse crescido de intensidade, transformando em manhã a noite curta.
E assim permaneceu, até a lua se retirar e um sol forte e quente se ter erguido por detrás do promontório.
Ninguém conseguiu dormir nessa noite, e os soldados falavam já da maldição das águas, temendo que o esquecimento se apoderasse deles com efeito retardado.
Quando se levantou, e enquanto se lavava, Júnio reparou numa mancha escura que ocupava todo o seu sexo e barriga, e que teimosamente se tinha entranhado na pele, por mais que lavasse, por mais que esfregasse. Quase entrou em pânico, pois quanto mais tentava, mais escurecia aquela nódoa de cor avermelhada, marca de sangue da noite anterior que não o largava.
Decidiu não fazer qualquer comentário acerca daquele facto, pois que nervosos já se encontravam os soldados, ansiosos por largar aquele lugar dos mágicos acontecimentos da noite anterior.
Assim fez. Mandou preparar as tropas e ninguém olhou para trás quando a marcha se iniciou, convencidos que haviam perturbado os deuses naquela travessia, temerosos como não convinha para as investidas que se adivinhavam.
Ninguém viu conforme se foram afastando, um corpo nu a surgir vertical das águas, um corpo imaculado de mulher, que caminhou sobre elas até à margem e se firmou na terra, fazendo nascer rosas à medida que se afastava em sentido contrário à marcha da legião.

Os séculos passaram. Uns atrás dos outros. A memória curta dos homens deixou para os historiadores os factos conhecidos da passagem dos romanos por estas terras do actual Minho. O Lethes chama-se agora Lima, e as suas águas passam a ponte de uma das mais antigas Vilas de Portugal.
Em Vitorino das Donas, no local aproximado onde há mais de dezanove séculos atrás se deu este episódio que contei, vive um homem de nome Júnio. (Nome que aparece algumas vezes na genealogia minhota. Estranhamente ou talvez não.)
É barqueiro. Atravessa algumas pessoas, poucas, que usam esse meio fluvial para chegar rápido á outra margem, em tempos de Verão, para se banharem nas águas e se refastelarem no areal branco que se avista do outro lado.
Certo dia em que conversávamos, o barqueiro, de cigarro que lhe ofereci aceso a um canto dos seus lábios e dedos queimados, contou-me uma estranha história:
Parecem falar os mais antigos da lenda da Senhora das Águas, que em manhãs de nevoeiro aparece nua como veio ao mundo nas águas daquele lugar. O meu interlocutor diz-me que ele próprio a viu quando era mais pequeno, juntamente com um primo que anda emigrado em França.
Parece que a “Senhora” fica por ali uns minutos, com uma estranha claridade nos céus, pairando sobre as águas serenas do Lima, transmitindo uma sensação de bem-estar e paz a quem a avista.
E é aqui que se dá o milagre que me conta, de olhos grandes, avistando-se neles ao fundo a sombra de uma vara estendida, sulcando as suas memórias.
…Há muitos anos atrás, vivia por ali um casal que se dedicava à agricultura e à moagem. Habitavam um moinho acima daquele lugar. Eram felizes, pois a terra era generosa para eles e faziam ainda bom dinheiro na moagem e cozedura do pão.
Tinham porém uma amargura na vida. A mulher não conseguia engravidar, e desejavam muito ter um filho.
As rezas nunca trouxeram o efeito desejado, muitos menos a copula. Era como se o seu amor fosse estéril, bem ao contrário da terra da qual eram filhos.
Certo dia em que passavam com o burro o açude seco, a mulher colocou mal os seus pés nas pedras, tombando para dentro da água. O aflito moleiro tentou por todas as formas salvar a sua amada, mas esta desapareceu nas águas, de cabelos trigueiros submergidos nas águas.
Mergulhou em vão para recuperar o seu corpo, e fizeram-no todo o dia em barcos os habitantes das cercanias, mas nem sinal do amor daquele homem.
Nessa noite, enquanto rezava, na vigília da sua tristeza, ouviu passos acercando-se do moinho, que estranhamente não se confundiam com o barulho das águas a correr nas pás. Nem o da pedra de moer, que pareciam ter-se calado.
Assim que veio ao exterior, uma estranha claridade estava por todo o lado, vinda de uma lua cheia, das maiores que algum dia havia visto.
Calçando-se da sua luz, a mulher que amava caminhava na sua direcção.
Estranhamente não conseguiu perguntar nada. Deixou-se só envolver nos seus braços longos, nos seus dedos finos, fazendo amor de corpos nus nas pedras gastas pelas rodas ferrugentas na calçada.
Passados nove meses, nasceu uma bela criança. Uma menina de olhos largos como o rio, a quem chamaram Roma.
E quando lhes perguntam porque o fizeram, fecham-se num sorriso de rosas que estava por todo o lado.”
Contei como me contaram.

domingo, 20 de julho de 2008

Apresentação do meu livro "Contos de água e areia" - Feira do Livro de Barcelos

António Paiva, escritor dos bons, um amigo que veio propositadamente da Madeira


Mas, comecemos pelo jantar: Flávio Lopes (escritor e amigo), António Paiva, José Torres, Vitor Pinho (Bibliotecário Municipal), Branco de Matos (escritor que apresentou o livro) e Fernando Soares (Dizeur)

A minha filha Beatriz leu a primeira página de "Beatriz e o espelho mágico"

Concentrada, leu muito bem aquela que tem olhos de azeitona...

Pedro Silva Torres, meu irmão, foi o ilustrador do livro.

Com o Paiva, que tem um talento natural para estar em público. Simplesmente fantástico...

Branco de Matos, alguém que me lê e por quem tenho profunda admiração e reconhecimento. Foi ele quem apresentou o autor e o livro.

Dois Senhores...


Com o Flávio Lopes da Silva que tinha apresentado o seu livro "sétimo vão" poucos minutos antes. (Presidente da Associação às artes )

Agradeço a todos quanto estiveram presentes e foram muitos, o que me deixa profundamente grato.
Amigos, conhecidos e leitores.
Ao Paiva, pela sua genoridade, a Branco de Matos por me compreender para além daquilo que escrevo, ao João Luz pela belissíma fotografia de capa e o meu irmão Pedro pelas ilustrações.
Até ao próximo.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Feira do Livro de Barcelos


"Contos de água e areia"

Apresentação do meu segundo livro, em Barcelos, na feira do Livro.


Dia 2 de Julho, pelas 21,30.

Apresentado pelo escritor Branco de Matos.
Fotografia de João Luz
Ilustração: Silva Torres

sexta-feira, 6 de junho de 2008

A página branca perdeu as asas

Foto: João Luz
A página branca perdeu as asas. Não traz no bico paz, muito menos um céu claro.
Um Homem feito estátua, feito de pedra nas palavras que não disse, espera ansioso que o pássaro inquieto do tempo lhe aponte o caminho, lhe segrede razões de voo capazes de o fazer quebrar as razões de mármore do seu imobilismo.
Pergunta-se se foi praga estranha que lhe rogaram, assim capaz de lhe cortar em silêncio os pulsos e a língua, vinda de dentro do peito a faca, vinda de dentro do tempo a mágoa, mas não encontra respostas.
Jaz, como jazem tranquilos, todos os que perderam os passos nos passos tranquilos dos pássaros que nunca voaram.

No fundo de um poço vivia uma lenda.
Havia uma mulher que por ciúme não dormia. Vigiava até os olhos lhe doerem os passos do seu amado.
Um dia, ensonada, seguiu o seu homem por uma mata vizinha à casa, até este parar junto de um poço agrícola.
Escondeu-se por detrás de um grande carvalho, esfregado os olhos de um cansaço quase insuportável, para que pudesse finalmente apanhar em flagrante o traidor.
Reparou que este se sentara na beira do poço, porém, apesar de falar com alguém, a enciumada mulher não conseguia vislumbrar a pérfida amante. Pensou que tal cegueira se deveria ao facto de quase não conseguir manter-se de pé, tantas eram as noites sem dormir, tamanha era a desconfiança.
Acercou-se um pouco mais, agora protegida por um penedo que se encontrava a escassos metros do local onde o homem se sentara.
Dali conseguia ouvir mais claramente aquilo que dizia, olhando para dentro daquele olho de água plantado no meio do terreno.
- Sabes, tenho a sensação de que a minha mulher desconfia de alguma coisa…Não dorme durante a noite, como que vigiando os meus sonhos. Sinto-a em todo o lado. Agora mesmo, tenho a sensação de que me espia…
- Não consigo viver assim, estou a um passo de a deixar…
A mulher quando ouviu estas palavras, saiu furiosa e descontrolada detrás do penedo correndo para o flagrante. Porém, quando de braços abertos tentava apanhar os seus fantasmas, tropeçou numa pedra que se encontra perto e tombou bem dentro do poço fundo, ouvindo-se o barulho da queda num som estranho que chegou em eco até à superfície.
O homem ficou estático, sem reacção. Depois chamou pelo seu nome, mas o som bateu nas paredes ovaladas e regressou até à boca, largo.
Ficou quieto, estranhamente quieto, e pela primeira vez na sua vida, mudo.

O escritor já não escreve. Uma vez mais as palavras levantaram voo deixando a sua página vazia.
Sente os pés a ficarem dormentes como pedra, um veio de morte a trepar rápido por si acima. Pernas e braços incapazes de esboçarem qualquer reacção. Depois, os músculos do pescoço a retesarem-se, os olhos a perderem o brilho, baços.
Um pássaro poisa no seu ombro e defeca nele.
As estátuas são definitivamente o sítio preferido dos pássaros fugidios da escrita e o tempo um poço sem fundo.
Já alguém perdeu nele uma mulher?

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Dia 2 de Julho, na Feira do Livro de Barcelos, apresentação do meu segundo livro

No dia 2 de Julho, cerca das 21,00, na feira do Livro de Barcelos, apresento o meu livro "Contos de água e areia".
São quatro histórias que se ligam pela água e se estendem num tempo de areia.
A fotografia de capa é do meu amigo João Luz e tem ilustrações de Silva Torres, meu irmão.
Convido todos os meus leitores e amigos a estarem presentes neste momento, especial para mim, na partilha daquilo que faço com tanto entusiasmo: escrever.

sábado, 24 de maio de 2008

Se a crise se acentuar vendo o meu cão


Parte I


Se a crise se acentuar vendo o meu cão


Tem pedigri,

Vacinas em dia.


Tem lombrigas,

Mas ninguém diria.


E se a crise se acentuar

Vendo o meu fígado


Tem um cão dentro dele

Mas ninguém diria.


Que se vender o meu cão

vendo-me nesse dia


Parte II

(Parte do leitor participante, espécie de carraça benigna...)


E tu queres vender o cão?

Um cão não se vende

Muito menos um homem

Há um cão dentro de cada homem

Que cada escritor sente através do fígado.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Porque me roem as térmitas os dedos?

Foto: João Luz
Respiro escrita pelos dedos.

Tenho as palavras nos poros encravadas como pelos.

Não me deixam dormir de tão ofertadas

Fazem barulhos estranhos durante a noite,

Como se fossem térmitas a roer-me despudoradas.


Sempre que olho para o lado vazio da minha cama,

Há mulheres deitadas com palavras, quase térmitas roendo-me.

Cada uma, um verso, um começo, uma prosa sem defeito.

Cada uma um final impossível de ser escrito.

Em cada uma um poema de alcova, insatisfeito mas dito.


E as que me olham desconfiadas,

Acendem cigarros no meu beijo e descruzam as pernas ao texto,

Como se eu tivesse merecido o direito à sorte,

Afinal, a minha vida é um eterno feminino:

- Palavra, escrita, desdita, morte.

A minha vida um desassossegado sopro de menino.


Já amei muitas palavras, fiz amor com o desgosto.

A quase todas despi os segredos, domestiquei os medos.

Fui amigo, amante, marido. Fui guerreiro e tombei ferido.

Sei que cada uma é uma só e o seu oposto.

Um pecado original repetido.


E se sei isto… porque me roem afinal as térmitas os dedos?

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Chamava-se Quim

Foto: João Luz
Chamava-se Quim. Não sei se alguma vez nos cruzamos nas ruas da cidade.

Desconfio que sim. Afinal as cidades são esmagadoramente pequenas por maiores que sejam.

E parece que morávamos até em Bairros próximos. Divididos por uma via rápida. A mesma que matou o escritor de rua esquecido, atropelado por alguém que nunca leu um livro.

Chamava-se Quim, e morava num pacote de heroína, que tinha dentro todo o lixo civilizacional. Chamava-se beco, cingia-se de prata e fogo.

Não sei se fui um dos que cruzou os braços, quando por ele passou na rua do esquecimento…

Não me lembro.

Não me lembro de mo terem apresentado, dizendo: Chama-se Joaquim, mora dentro dele um homem como tu.

Eu andava demasiado ocupado em ser racional. Andava cansado.

Por isso não o vi no escuro, quando entrou furtivamente na central eléctrica.

Não vi que levava as mãos nuas e sapatos de terra nos pés. Não o vi contentar-se com cobre, que nunca em menino sonhou com ouro, nem o ouvi a mandar calar o silêncio, quando um cachorro vadio o tentou alertar do perigo com um latido.

Vi o seu corpo em fogo naquela notícia de jornal.

Foram 15.000 volts de indiferença que o mataram.

Regresso a ti

Foto: João Luz
Fiavas as palavras horas a fio. Com o novelo dos dias, um após outro, tecias o longo tapete de tempo por onde te urdias.

Por isso, ninguém te esperava do outro lado de ti quando apareceste sem avisar, regressado de todas as viagens feitas num livro.

Amor e ódio de igual maneira repartido, ilusão e queda pelos mesmos sentidos.

Dos heróis clássicos vestias todo o romantismo: Romeu, D. Juan, Quixote…E havia até um certo modernismo na forma como calçavas a desilusão dos prédios, como te avistavas em cada janela espreitando-te. Em cada longa avenida de passos perdidos.

Chegaste sem avisar, e a cidade já não te reconhecia.

Lembravas-te de ter uma família, filhos que brincavam no pátio. Havia até um cão de orelhas espevitadas, mas não te conseguias recordar do nome.

Apanhaste um táxi inglês e foste à procura das tuas memórias. Desembocaram numa casa pequenina, daquelas que conhecias das fábulas, dos contos infantis. Telhas de chocolate, cerca de madeira pintada de vermelho vivo.

A casota do cão ao fundo do jardim era de banda desenhada e havia um balão por cima com a inscrição: zzzzzz… Caminhaste devagar para não o acordar. Bateste à porta quase em surdina, pois tinhas um certo receio de despertar em ti memórias de sonhos passados que não sabias se tinhas vivido…

Ouviste passos. Caminharam em direcção a ti. Abriram-te a porta.

Eras tu, e habitavas naquela casa de escrita, de onde nunca tinhas saído.

Sentaste-te na velha cadeira de baloiço que te ofereceste, bebeste contigo calmamente um chá que fizeste. Folheaste o jornal.

A notícia do dia falava de um escritor galardoado. Da forma como tinha intermediado um conflito armado e tinha sido alcançada a paz, de como os homens se tinham unido para construir um futuro melhor, participado e livre.

Recostaste-te na cadeira baloiçando de cá para lá no tempo, e nesse processo fechaste os olhos, satisfeito.

Lá fora, o chilreio das crianças, chegava finalmente pela mão da Primavera.

sábado, 17 de maio de 2008

O poema quase um sustento

Foto: João Luz
Calcei-me de bronze.

Num primeiro segundo, quase brilho

Os meus pés como chumbo, minha boca seca

Vesti-me de tédio, fiz a mim próprio um filho

O silêncio tinha pelos na língua.


Houve um céu que não tinha palato

Houve um sol que prenunciava chuva

Houve um armário guardado num fato

Houve tudo o que não houve.


Se ao menos a chuva se calçasse de bronze…

Palavra a palavra, fosse a escrita um grito

O poema quase um sustento

A verdade uma lança capaz de cortar o tempo.


Fosse o sonho a bronze escrito


E não seria capaz de te dizer

De te amar para o que houver

De te sofrer

Não seria capaz de te ter

Nem sequer trocar:

Poesia por mulher.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Deixem fumar o Sócrates

Foto: João Luz
Deixem fumar o Sócrates

Não bastava já o moço ter sido condenado á morte sob a acusação de corromper a juventude!
Por amor de Deus, deixem fumar um último cigarro a um condenado.
Filósofo que se preze, tem um cigarrinho ao canto da boca…usa jeans de quando em vez, e perdoa-se-lhe até um charrinho em noite de ida à discoteca…
Perante a lei todos são iguais. Sei disso, mas caramba, todos sabemos que perante ela, há uns que são mais iguais que outros.
Liberdade, igualdade, fraternidade...
São conquistas da Revolução Francesa, e não se pode agora guilhotinar o moço, só porque inventou a guilhotina. Por favor…
Deixem fumar o Sócrates.
Ele criou aquela coisa da maiêutica, que não sei se não é a mesma que pariu o Maio de 68, mas por favor não entrem agora em silogismos, tipo:
- Sócrates fuma, Sócrates é Homem, todos os Homens fumam…
È que não é verdade!
Sócrates já deixou de fumar. Logo, Sócrates não é Homem?
Porra, estou confuso…
Ele foi visitar um amigo que se chamava Chavez e mascava folha de coca. Um dia, na falta dela, mascou folha de couve. Nunca mais foi o mesmo. Nasceu-lhe um tinto carrascão em bica na orelha direita e um caldo quase verde na língua, sem acordo ortográfico pelo meio.
Calha-te!, gritou um rei sem cinzeiro para mim, na cimeira dos grandes pantomineiros.
E eu calhei-me, porque não tinha a chavez do sucesso na ponta do lábio socrático que me pariu.
Mas que fumei esta história, isso fumei.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

A minha tristeza tem um circo agarrado

Foto: João Luz

Que coisa estranha esta de a minha tristeza ter um circo agarrado.

E todas as artes se cruzarem na arte trapezista de assim ser. De acontecer dia a dia no arame das coisas agarradas a cada um de nós. Malabarista dos afectos. Numa mão tenho amor e dor; na outra esperança, e faltam-me mãos para me dizer.

Que não me caiam delas os sentidos todos, mais um sexto, de ilusão, que pelas palavras acontece.

Se sou fera domada, já em mim sou palhaço também, e o chicote dos dias imperfeitos teima em fazer-me rir no riso dos outros.

Nas minhas costas cravou o atirador de facas, toda a sensualidade das mulheres circenses, com cobras e cães, araras e outras coisas, finas e raras.

A vida armou uma tenda em mim. No trapézio voador do que sou há uma distância percorrida. Uma mão que esperou ser agarrada e caiu.

Caí com ela nesse dia.

Salvaram-me as costas de um elefante sem memória, em equilíbrio sobre uma bola que era o mundo.

Enforquei-me hoje na oliveira do meu quintal

Foto: João Luz

Enforquei-me hoje na oliveira do meu quintal. Não que tivesse dado conta. Contaram-me.

Pelos vistos, a angústia de existir tomou conta de mim. Segundo me disseram, nos últimos tempos eu andava já um pouco estranho, dando mostras de algum descontrolo, principalmente durante os telejornais, quebrando repetidamente qualquer televisão que encontrasse pela frente.

Mas segundo parece, também quando frequentava manifestações de grupos minoritários empunhando cartazes com palavras de ordem, quase todas incompreendidas pelos próprios manifestantes.

Houve vezes até, em que, segundo consta, pintei algumas caixas Multibanco com tinta preta. Tinha esperança que o mundo percebesse que o dinheiro tinha morrido, lado a lado com tirania, a exploração e a miséria. A fome.

Não me lembro.Lembro-me de ser domingo. De haver um padre igual a todos os outros. Tocava o sino na falta do sacristão, empenhado e de saiote subindo no esforço. Lembro-me das meias: Eram à Porto. Porra, eram à Porto…

Se me lembro disto, porque raio não me lembro que estou morto?

Morri pela hora do meio-dia. Dizem que morreu comigo um cão sarnento. Nem compaixão nem lamento.

Morri hoje mais uma vez. Não que tivesse dado conta, contaram-me.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

O 25

Foto retirada do sapo
O 25 de Abril é uma pessoa de meia-idade sentada num baloiço.
Quando encolhe pernas para preparar o voo, leva na ideia do balanço, a liberdade. Quando estica pernas para voar, alguém as corta, mesmo que as cordas esticadas do baloiço cumpram a sua função.
A liberdade é esta ânsia que não tem amarras em nada.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Padre brasileiro desapareceu no ar

Foto: João Luz
O meu criado polvo segurava com um tentáculo o meu casaco, e num segundo oferecia-me a minha bebida preferida com cola. Ainda com um outro braço eficaz, rodava em destreza fina o volume do som da televisão e baixava o lume ao assado.
Um final de dia perfeito, pensei.
A mulher de duas cabeças e três seios, cumprimentou-me piscando o olho direito. As crias de centauro absorviam a sua atenção. Todas três.Refastelei-me no sofá, feliz da minha vida caseira de solteiro boémio.
O plasma da sala precisava de ser limpo. O último gambuzino motard que comprei ao chinês do bairro, espatifou-se numa 125 azul contra ele, largando no celulóide um viscoso líquido amarelado e de cheiro estranho.
O polvo, a braços com uma praga de gafanhotos gigantes na cozinha, cerca de oito, não tinha mãos a medir para a ocorrência, mas logo que se viu livre do primeiro, passou um paninho no ecrã.
De repente, uma notícia chamou a minha atenção. Um padre brasileiro partira em viagem agarrado a mil balões de hélio rumo aos céus, e estava desaparecido, presumindo-se que havia caído ao mar.
Emocionei-me assim que passaram a última gravação telefónica do padre pedindo auxilio aos bombeiros para o ajudarem a perceber o GPS que tinha levado, pois precisava de enviar as coordenadas do sítio onde se prevê que tenha caído.
O polvo sempre atento, passou-me um lenço para me assoar, que nessa altura já eu chorava compulsivamente. O mesmo pano que limpou o gambuzino.
Liguei à Júlia, foi compulsivo.
Do outro lado atendeu o seu holograma.
- Estás mais magra!
Respondi aleatoriamente.
Nota ao leitor: A notícia do padre desaparecido pode parecer falsa, mas não é. Já a minha percepção da realidade das coisas é uma verdade da qual teimo em me afastar, e que ando a tratar com lampreias.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Escritor Luso do mês de Abril

A Administração do site Luso-poemas.net, onde edito regularmente os meus textos, desde há um ano a esta parte, decidiu, não sei se merecidamente, nomear-me o Escritor do Mês de Abril do Site.
À semelhança daquilo que tem acontecido com outros escritores deste fantástico site, que quem gosta de ler ou escrever, deve conhecer, foi-me dado destaque na primeira página, através de uma entrevista, a que poderão aceder, e terei muito gosto em partilhar convosco, em:
http://www.luso-poemas.net/modules/smartsection/item.php?itemid=143
Um abraço deste vosso amigo, agradecido por me lerem e acarinharem como têm feito.
Até já.

quinta-feira, 20 de março de 2008

O escritor é a sua árvore

Foto: João Luz

Nem sequer uma ideia. Nada.

Desaprendera de escrever. Tinha a certeza que era isso que lhe acontecia. Uma quadra que fosse, de rima pobre, não importava; uma crónica infeliz sobre qualquer tema, uma prosa curta e sincopada.
Tentava mas não conseguia.

Não podia ser falta de inspiração, que mesmo quando disso enfermava, sempre escrevia qualquer coisa, nem que fosse para rasgar de seguida…. Mas então que raio se passava?

O escritor que já não o era, não encontrando respostas para a sua pensada desgraça, sentou-se no alpendre da casa fitando longamente a paisagem. Mudo e quieto.

Ficou assim por um tempo. Muito tempo...

As raízes romperam a terra e as tábuas, envolveram primeiro a cadeira onde se sentara, depois entrelaçaram-se nas suas pernas, abraçaram o seu tronco…

Sentiu-se invadido por uma estranha serenidade. Um pássaro colorido poisou num ramo que lhe saía dos dedos esticados da mão direita. Acariciou-o com a leveza das folhas.

Com o passar dos anos, o escritor que tinha desaprendido de escrever, transformou-se num imponente carvalho. De braços fortes estendidos ao longo do seu corpo alto e belo, fitando a paisagem à qual já pertencia...

Um dia o fogo chegou perto. Sentiu primeiro um imenso calor a subir pelo tronco, depois as chamas a roçarem-lhe a pele, secando lentamente a sua alma de madeira.

Um casal de bicos de lacre levantou voo apressado, deixando para trás o seu ninho de amor. Quis voar também, mas não conseguiu...

O Carvalho queimado que tinha sido escritor um dia, foi cortado pela base. Carregaram-no junto com outras vítimas da incúria dos homens num grande camião, a caminho da fábrica de papel.

Depois de um processo longo de transformação, acabou muito enroladinho, pronto para uma nova etapa.

Estava encantado, e nem mesmo quando a afiada guilhotina dispersou o seu ser por mil folhas brancas, se sentiu perdido ou só.

Estava vivo em cada pedaço.…


...

O escritor não consegue escrever. Falta-lhe inspiração, vive angustiado no branco do papel…Deixa rolar uma lágrima dos olhos, que cai na folha imaculada que tem à sua frente. Estranhamente esta deixa uma marca de sangue no papel.


- Já sei, disse, como se de repente a inspiração tivesse voltado.


E começou a pintar a folha com palavras.

domingo, 16 de março de 2008

Fui beber um copo com a Lia Pansy


Fui beber um copo com a Lia Pansy

Vesti-me a rigor para o encontro. Muni-me de todos os acessórios necessários para romper a blogosfera: Uma flor na lapela do casaco debruado a nafta; um livro denunciador debaixo do braço.
Ficamos de nos encontrar na Rua de Angola.
Cheguei atrasado. Estavas vestida de índia à minha espera. Os teus cabelos negros escorriam dos teus ombros, e desaguavam no colo das crianças da primeira fila, que entretidas, teciam delicadas tranças sossegadas.
O "garçon" (António Zumaia..) já havia servido as entradas: Poemas gratinados em molho de rosas; pequenas prosas envolvidas em massa folhada.
Provei todas, como que tomado de súbito apetite, mas sabendo que a minha fome eras tu.
Tu, que me habituei a tratar por “Lia do meu poema”. Tu que me lias.
O Poeta Mário Margaride chegou. Leu em voz alta o cardápio da noite:
- Êxtases para os amigos, flanbejados em cognac de corpos destilados, e para sobremesa, mil sonhos de amor em doce molho de açúcar caramelizado.
O vinho levava eu, escondido nos olhos. Bebemos em copos “neguinhos” a alma de cada um, e no final sobrou um rio.
Ah! E um livro.





(Este texto é para a minha amiga Lia Pansy, que apresentou no passado dia 14, na Biblioteca Municipal de Gaia, o seu livro "Os meus êxtases".

Não podia faltar a este momento tão especial para a Lia.

António Zumaia fez a apresentação da poetisa, e Mário Margaride e Goreti encarregaram-se de nos dizer as palavras

É brilhante esta poetisa na nobre arte de dizer o amor. Conheçam, por favor...)

domingo, 2 de março de 2008

A minha morada é a palavra

Gabriel Pedro: www.anjoinutil.blogspot.com

Há um vazio dentro de mim
Feito daquilo que ainda não aconteceu,
E habita neste ventre de gestação o poema.

Tem braços de mar,
É corpo sem terra para atracar,
É sonho, fantasia,
Luz forte de cada dia.

E são de mármore os silêncios aqui,
Nesta planície onde crio raízes etéreas,
Onde construo castelos sem fortaleza,
Onde me conjugo em cada ânsia,
Em cada incerteza.

De homem tenho tudo,
Mas sou assexuado no que quer que diga,
Sou carreiro, sou distância e formiga.

E não estou sozinho na solidão de te pensar,
De te dizer, de te amar.
Não estou sozinho por estar.

A minha morada é a palavra,
Nela me expando para além do que vejo,
Do que sinto,
Nas verdades que digo quando minto.

Se a um poeta se perdoa esta sorte,
Viva então em mim o poema para além da morte.

http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=29791

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Carta a mim mesmo

Caro amigo,
Tenho o grato prazer de lhe comunicar que a sua Inspiração partiu de viagem.
Saiu logo que a manhã se levantou, acompanhada de uma mala cheia de livros e algumas mudas de roupa.
Pediu-me para lhe avisar, que se demorará pela capital “Denãofazerputo”, uma vez que ficou de se encontrar com a Vaidade e a Presunção.
A Fama, ficou de lá ir ter mais tarde, não sendo certo que o Reconhecimento apareça, uma vez que anda muito ocupado.
Pede-lhe a Inspiração que olhe pelos meninos: Criação e Arte, o melhor que puder.
Há poemas no congelador, duas latas de textos por abrir, e uns restos de uma crónica para serem aquecidos.
A Criação tem que tomar o xarope para a garganta, pois tosse muito de noite. A Arte sabe a medida, não se preocupe…
Não deixe as meninas ficarem acordadas até muito tarde, que têm a mania de escrever nos sites da Internet, e vigie por favor os seus excessos em endereços menos próprios, que estão, como sabe, na idade difícil da adolescência.
Sem mais de momento, saiba que na ausência de sua amada esposa, poderá contar comigo para aquilo que necessitar.
Não hesite em chamar-me, caso a tarefa se revele demasiado penosa para si.

Sempre ao seu dispor,
A sua amiga de sempre
Esperança.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Os dias do medo

Foto: João Monteiro


As bestas não têm cara aqui. Andam soltas na rua do medo que cada um tem guardada em si, e por onde tenciona escapar um dia.



No fundo de cada sorriso, a custo um homem tenta erguer-se de novo para a vida, amparado em falsas promessas de grandeza.



Nunca lhe faltaram profetas para o conduzir em cada esquina de tempo, nem novas babilónias a habitar nos olhos…Foi por isso, que quando a faca lhe entrou nas costas, e o mundo girou ao contrário, de ponteiro bem cravado na carne, ninguém estava por perto na rua da amizade, e as horas bateram com estrondo na calçada dos corpos.



O custo de cada lágrima oprimida ao homem moderno, à sua liberdade, há-de um dia fazer transbordar mares, para que se afoguem na sua imensidão os tiranos e os ditadores.



E depois, na alvorada, em cada barca nova caberá um pedaço do sol e crianças fabulando ao vento. A terra nunca prometida desse dia, será fundada na certeza das cores do arco-iris, no vento norte de mudança que cada um tiver no coração.



Cada homem liberto saberá amar uma mulher como ela merece e entenderá nela o fruto generoso da vida.



Esse dia foi ontem.






segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Ando metido com a prosa e já não apareço à poesia!

Foto: João Monteiro
Ando metido com a prosa
E já não apareço à poesia!
Queixa-se uma de mim sincopada
Mas logo a outra se regozija amada
-Digo a uma que nunca a esqueceria!
Mas a outra que tudo ouve em prosa
Faz-me crer que nem a conhecia
E escrever para a mais jeitosa...

Ando metido com a prosa
E já não apareço à poesia

Vivo em casa da mais matreira
E da relação já tenho filhos
Alguns contos e uma novela
E com a que é agora primeira
Já não piso embriagado os trilhos
Que pisava com a poesia antes dela.

Enciumada a oficial, com ronha
Lembra-me que foi amor primeiro
Que com ela a virgindade perdi
Mas o que perdi foi a vergonha
Com que me dou na prosa por inteiro

Como fazer então compreender a uma
Que não existo sem a outra?
Como dizer isto com uma certa ética
Se não for numa bela prosa-poética?

Tenho esperança que a minha escrita
Inclua sempre a ambas nesta via
Porque se ando metido com a prosa
Também hoje aqui o fiz em poesia.

Editado em www. Luso-poemas.net
em 27/01/2008

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

"Beatriz e o espelho mágico" na voz de Luis Gaspar

Luis Gaspar, esse fantástico dizeur de palavras, homem cujo trabalho de divulgação de novos autores deve ser enaltecido, teve a amabilidade para comigo, de gravar este conto editado aqui no blog, e que faz parte do meu próximo livro.
Gostaria de o dedicar a todos os meus amigos, da escrita e fora dela, a todos que visitam este meu espaço.
Votos de amor e paz neste Natal, em cada um de vós.
Voz de Luis Gaspar, em 19-12-2007
Link:http://www.estudioraposa.com/index.php/19/12/2007/076-jose-torres/

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

"O rapaz que escrevia poemas"




Não sabia bem como lhe acontecia.
Dava por si de caneta em riste, papel branco desafiando-o a escrever a alma, uma alma de que desconfiava, porque era tenra a pena com que se cingia.
Tinha tão só meia dúzia de impertinentes pelos no rosto, tão poucos que o espelho se ria, cada vez que a lamina afiada decapitava borbulhas adolescentes, confundidas.
Porém, apesar do corpo não negar a idade curta que tinha e o selim da sua bicicleta nunca ter precisado de ser subido, pedalava nele uma espécie de ansiedade de viver, coisa estranha para um jovem da sua idade.
O refilar dos pais era uma espécie de campainha.
Soava-lhe alto nos tímpanos, tão alto, que por vezes nem a ouvia.
Perdia-se por inteiro em meias folhas de papel, caderninhos de merceeiro de capa dura, mata-borrão para copos de tinto distraídos em tascos de aldeia.
Frequentava-os numa altura em que não havia máquinas de tabaco com controlo remoto a partir do balcão, nem fumar matava.
Gostava de se perder nas histórias de bocas amarelecidas dos mais velhos, posta de bacalhau frito à espera de uma espinha para continuar a palavra arrancada pelo dedo sujo da poda ao palato entretido da conversa.
E como se perdia nesses relatos. A espaços sacava da orelha que tinha em cada conversa um afiado lápis para memória futura. Fazia-o inconscientemente.
A mesma inconsciência que o empurrava vereda acima pela adolescência, disposto a experimentar todas as sensações fortes que coubessem dentro dela.
Pelos dezasseis, dezassete anos, cadernos e cadernos de poemas escritos, palavra a palavra, sem espinhas.
Envolvia-o um amor sem rosto pelas letras. Como se alguém, quase certo um Deus, tivesse semeado dentro de si uma nesga-semente de vida, que nas condições ideais florescia em cada letra riscada, debitando segredos para dentro de folhas quase azuladas, no tempo das vinte e cinco linhas.
O seu nome, João.
Rapaz de um garbo fulvo que pelos cabelos ardia, de uns olhos verdes de água, que quem olhasse para dentro deles descobria peixes, e onde as namoradas ancoravam bocas sedentas de saber mais, um pouco mais além do que sabiam através da mão exploradora dos sentidos.
E como as amava. De cada uma retirava um poema, que depois colava noutro.
De cada uma um tema.
Os olhos de Joana, os dedos finos de Maria, os seios pequenos de Vera.
Vivia em todas: gentil, cavalheiro, dado.
Não sabia dizer que não, que pela boca morria traído pela bondade, essa que habita no conforto de se saber vivo nos outros, biógrafo das vidas, tudo menos alheias.
Por vezes, acontecia-lhe até o estranho facto de acordar a meio da noite, de poema escrito na cabeceira dos sonhos, que passava para o papel de uma vez só, de um só fôlego, num êxtase quase caricato a que só assistiam as riscas do pijama azul que a avó lhe ofereceu nos anos.
“…
Vieste do mar, meu búzio d’areia
E trazias no regaço um mar d’história
Corpo de sargaço, corpo de sereia
Num tempo de fadas sem memória

A praia do teu ventre d’água revelada
Encontrou-se nas areias dos meus pés
Cantando a noite e a doce madrugada
No bailado suave das águas das marés

Tomei-te na alma como quem diz
És tudo o que sempre sonhei
És tudo que eu sempre quis

Tomei-te no corpo, tua alma amei
Foi sempre isto que me fez feliz
Memória do mar que te lembrei”


E esta curiosa ligação com as palavras acompanhou-o pela idade adulta.
O gosto pelas letras levou-o à Faculdade, no primeiro encontro com as cadeiras poeirentas da velha teoria literária, mas também com a fervilhante actividade artística que acompanhava as lides académicas.
Apesar de algumas amizades feitas, o seu melhor amigo continuava a ser um livro.
O livro ainda não escrito, espécie de página branca do que falta dizer, ou folha preenchida de todas as perguntas sem resposta.
Nele se vestia dia após dia com a pele dos dedos, teimando por uma solução.
A que lhe respondesse à questão do poema escrito dentro dele, que lhe fazia dizer o amor antes de o sentir, a saudade antes da partida, a dor antes de a sofrer…
Era uma coisa estranha, essa que o levava a escrever textos antes do tempo, nomeando sentimentos que só vinha a experimentar anos depois de os ter narrado.
O amor estava em quase todos os poemas e um dia encontrou-o.
Foi numa manhã fria de Novembro. Passeava pela praia esquecido, completamente possuído pela bravia força com que as ondas do mar tomam a areia, de olhos largos no horizonte de pássaros e espuma.
Quase tropeçou nele, no momento em que desajeitado ficou segurando aquela ninfa nos braços, desculpando-se do seu intempestivo e descuidado caminhar.
- Mil perdões, conseguiu articular.
- Caminhava distraído…
- Eu reparei, respondeu-lhe olhos nos olhos a jovem.
E como era bela, de cabelos-sargaço e olhos fundos, num corpo que de tão gracioso apetecia tocar, sentir, cheirar.
- Posso desculpar-me, convidando-a para tomar um café?
- Claro que sim, anuiu.
Fizeram-no durante anos seguidos, que nunca mais se afastaram um do outro.
Viviam numa paixão transbordante de carinho e afecto e o escritor dedicava-lhe as melhores páginas que alguma vez escreveu, agora na sensação de que o tempo parara. Nem passado nem futuro, só o tempo presente contava, e não tinha a sensação já de que escrevia por antecipação os sentimentos vindouros da sua vida.
Rosário, assim se chamava aquela deusa, responsável pela alegria de viver de João, pela sua constante inspiração nas letras e na vida.
Certo dia, tomado por uma gripe aborrecida, daqueles que fazem tremer em pleno verão, João recolheu-se na cama aos mimos da sua amada, mais os chás quentes de ervas e mel, duplo conforto para o seu corpo dorido pelo virús.
Precisado de fazer chegar ao correio o original de mais um livro de poemas, que o seu editor aguardava com ansiedade, e impossibilitado de o fazer, logo Rosário de casaco pronto se dispôs a percorrer as poucas centenas de metros que separavam a sua casa da estação, cumprindo com agrado a missão de levar a passear as palavras que tão bem conhecia, uma vez que vivia nelas.
Despediu-se com um beijo que não chegou a tocar os lábios de João.
A porta da rua fechou-se atrás de si ligeira, que apressada era a vontade de regressar a casa e envolver de cuidados o seu amado, feliz pela dádiva desse amor correspondido.
João pressentiu o perigo num arrepio que não foi de gripe, um tudo nada antes da travagem demorada do carro, logo seguida de um abafado estrondo que lhe secou a garganta, incapaz de gritar.
Fizeram-no por ele as vizinhas.
Quando chegou à rua, andavam no ar ainda papeis, um dos quais, deslizando com suavidade, foi poisar no peito ferido da sua deusa que veio do mar, cabelos-sargaço enrodilhados no rosto, papel mata-borrão que absorveu lento o sangue.
Tomou-a desfalecida nos braços beijando o seu rosto e segredando no seu ouvido em forma de concha:
-Está tudo bem meu amor, estou aqui contigo.
A resposta não veio, só um cheiro a maresia por todo o lado e um vento norte levantando poeira na estrada.
As várias fracturas que sofreu no acidente demorariam tempo a curar, mas mais tempo demoraria a sua alma a acordar, pois caiu num coma prolongado, de diagnóstico muito reservado, olhos fechados por quatro paredes brancas de hospital.
João viveu pelos dois todos os dias acordado, dizendo poemas na cabeceira daquela cama, colocando flores junto ao seu rosto de traços finos, intocados pela violência do embate.
Passaram-se semanas, meses.
Num dia em que o sol andava alto, e a janela daquele quarto se abriu para o cumprimentar, o milagre aconteceu. Primeiro uma breve piscada, depois um pulsar quase nervoso da pálpebra, finalmente dois lagos de peixes abrindo em cor. Verdes profundos, verdes próximos, amados.
João gritou de alegria, de uma felicidade plena que ecoou pelo hospital e trouxe consigo na volta, médicos, enfermeiros, o rapaz da perna partida e a Senhora do quarto ao lado, mesmo tendo sido operada às varizes.
Os dias seguintes foram de enorme expectativa, de exames prolongados, análises a tudo e mais alguma coisa.
A ansiedade tomou conta do escritor, mas feita agora de razões diversas daquela que sentia em adolescente, quando tinha pressa de viver e experimentar todas as emoções fortes da existência.
Rosário havia perdido a memória, as lesões no cérebro afectaram-lhe a capacidade de recordar fosse o que fosse, incapaz de reconhecer o seu amado, de partilhar a emoção do reencontro, de se perder nas suas palavras, ditas pela boca da alma, retirando delas sentidos, causas.
Quando regressaram à sua casa, a dois passos da praia, no dia em que o fizeram, as gaivotas esperavam-na planando à volta do simpático moinho recuperado, gritando intervaladas, como se cada uma a quisesse cumprimentar. Rosário sorriu.
Começaria um processo longo de aprendizagem, o de nomear as coisas, de juntar pequenas peças ao grande puzzle da memória.
João estava determinado a ser persistente, e assim que a sua amada passou a soleira da porta, logo reparou em centenas de pequenos papeis escritos em cada coisa: Mesa, cadeira, cama, jarra, panela, copo, flores, poemas…
Era preciso começar do início, mesmo que Rosário não o reconhecesse como a sua metade, mesmo que perdida em pensamentos dispersos, em muito vagas lembranças de algo que não sabia dizer, não podia dizer.
Por vezes durante a noite acordava sobressaltada como se possuída de um medo terrível, que depois de desperta e confortada por João, não conseguia identificar, tombando a tez suada sobre a almofada, acabando por cerrar novamente os olhos.
João não escreveu mais nada nesses tempos que não fossem pequenos papéis, etiquetas para as coisas, que colava em cada peça, na esperança que um dia a luz inundasse a alma da sua amada e pudessem falar novamente a mesma linguagem.
Rosário quase não falava. Quando estava em casa, sentava-se na cadeira de baloiço, observando longamente o mar, embalada pelas águas das marés, ou nas asas das gaivotas que sempre a vinham cumprimentar, fazendo da sua casa o porto de abrigo de todas as horas.
Outras vezes, saía para demorados passeios pelo areal, recolhendo búzios e conchas que depois trazia no regaço e espalhava pelo jardim.
Refugiou-se num silêncio onda cabia a água do mar e as estrelas do céu.
Deixou de comunicar, mesmo com João. Os seus únicos amigos eram as gaivotas e o vento que as embalava.
Uma noite, em que o luar torna todas as coisas visíveis, fazendo das águas um espelho prateado, o poeta que tinha momentaneamente deixado de o ser, simplesmente porque já não escrevia, acordou sozinho na cama. Chamou por Rosário esperando que esta estivesse à distância curta de uma palavra, mas não.
Levantou-se e acercou-se do alpendre. A cadeira de baloiço que tinham comprado juntos na lojinha de móveis usados da vila, balançava ainda suavemente.
Quase instintivamente os seus olhos levantaram-se para o mar. Dentro de água, levantando pequenas ondas no forçar suave dos passos, a sua amada caminhava em direcção ao horizonte, onde uma lua gigante, das maiores que tinha visto, a parecia esperar refastelada.
Gritou:
-Rosário!
A ninfa de olhos verdes demorou um eterno segundo a voltar a cabeça em direcção ao areal, onde a sua camisa de linho estava caída, branca e amarrotada da forma como lhe deslizou do corpo.
Rosário levantou a sua mão de dedos abertos como que despedindo-se.
João correu, da mesma forma como o fez no dia do fatídico acidente, com o coração na boca, sôfrego e ansioso por socorrer a mulher amada.
E apesar de tão depressa o ter feito naquela centena de metros, conseguiu somente vislumbrar os cabelos-sargaço de Rosário a abraçarem as águas, submergida por fim dentro delas.
Entrou ele próprio no mar, nadando apressado em direcção à lua.
Quando pensou estar sobre o sítio onde o corpo desaparecera, mergulhou decidido.
A transparência das águas deixava ver com nitidez o fundo arenoso, aqui e acolá uma pedra, um peixe adormecido, mas nem sinal de Rosário.
Voltou a tentar, encheu largamente os pulmões de ar, que quase lhe doeram do esforço e mergulhou mais à frente.
Passou raso ao fundo, volveu o corpo para a direita e para a esquerda, subiu um pouco e de repente…no limite do fôlego, à sua frente, de cabelos abertos sobre as águas, olhos da mesma cor, sorrindo delicada na sua nudez, a diva dos seus poemas.
Esta abraçou-o e envolveu-o, tranquilizando-o.
Beijou largamente a sua boca dando-lhe o ar de que precisava para retornar à superfície, bateu num sulco rápido os seus pés juntos e desapareceu levantando areia do fundo.
Assim que João volveu à superfície, deixou de mergulhar.
Permaneceu sozinho boiando nas águas cálidas, fitando o horizonte pela estrada da lua.
…………………………………………………………………………………………….
Velho João não mais escreveu. Uma linha que fosse.
Vive no seu moinho onde poisam gaivotas que alimenta com algum peixe miúdo que traz da faina. Tornou-se pescador.
É vê-lo remendando redes na soleira de casa, ou simplesmente fumando o seu cachimbo na velha cadeira de baloiço, fitando o mar tranquilo.
Não faz nenhuma pergunta ao vento, sabe todas as respostas.




A incluir no meu próximo livro a editar brevemente.


Todos os direitos registados

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Apresentação do meu livro em Barcelos - 15/11/07

O meu sorriso nesta imagem, quando deveria ter cerca de 5 anos de idade, é o mesmo que tenho hoje, para vos dizer da minha gratidão, da minha vontade de ser feliz, vivendo em comunhão com todos, a quem me dou pelas palavras e pelos actos.
É uma das imagens do belíssimo trabalho que Sandra Torres fez para mim em Power-point, apresentado nessa noite.
Obrigado, do fundo do meu coração


Dr. Vitor Pinho, bibliotecário municipal e que me fez o convite na última feira do livro de Barcelos. Foi o moderador de serviço.



José Lourenço (JSL), meu amigo de sempre, apresentou o homem e o cibernauta.






O regresso à minha cidade natal ficou marcado por uma profunda emoção, em comunhão com todos quantos se deslocaram ao magnífico auditório da Biblioteca Municipal. Um dia muito especial que guardarei no mais intimo do meu ser.



Os meus convidados de honra, que foram os grandes responsáveis pelo brilho que teve esta apresentação. Estou-lhes grato na amizade que nos une e no amor às letras. À minha Direita na foto, o Dr. Jorge Cruz, em representação da Srª vereadora da Cultura, da Câmara municipal de Barcelos




O meu filhote adorou toda a envolvência da apresentação e esteve junto a mim com carinho, prazer, brincando á minha volta.




Armindo Cerqueira, um dizeur, outro amigo, que emprestou todo o seu enorme talento aos meus textos. Fez brilhantemente a apresentação do livro.




Uma vista dos muitos amigos e conhecidos que me acompanharam




O Gonçalo e a Bea (olhitos de azeitona), adoraram estar com o pai




Vasco Santos e os "Canibais do Poema"





A minha filha beatriz disse um poema da sua autoria e um texto do pai





O meu amigo Carlos Moreira tocou e encantou com temas populares e um da sua autoria












segunda-feira, 19 de novembro de 2007

"A última cartada"


“…Uma sebe três anos…Um cão três sebes…Um burro três cães…Um homem três burros…”

Assim falou João de Barbudo, homem do tempo em que a tuberculose matava tanto como a fome, numa mesma míngua de cuidados; uma porque a cura por vezes matava, outra porque também…


Desde cedo, Mestre João, carpinteiro de todas as coisas mais aquelas que não tinham arranjo, se habituou a recolher às arvores o fruto, ao mosto o vinho, à caridade a broa.


Mais novo de sete irmãos que já partiram e o Senhor os tenha. Mais velho de todos.


Oitenta e um anos de vida, alguns de França, lá pelos anos em que se passava a salto, que havia homens da raia que o faziam a troco de ficarem.


Ficarem num país de meia sardinha, batata, pão de milho e tabaco estrangeiro, para fumar em dias de irmãos que chegam, mesmo assim menos raros que os dias de fome e falta, que eram todos os outros.


Tempos houve, em que os galos de capoeiro, enfraquecidos, não cumpriram os desígnios ovulares para que eram talhados, e os retalhos da franga deram carne que se visse, um pouco mais além da canja. Ovos sequer para as horas sem dormir dos dias de estômago acordado.


O cognome Barbudo acompanhava-o, mesmo tendo a face limpa. De Barbudo, porque assim se chama a terra que o viu nascer, a dois passos de Braga, mais concretamente quinze kilómetros, feitos a pé, em fato curto e apertado, com cheiro a comunhão solene feita há mais anos que o prazo de duração que tinha o Bilhete de Identidade caducado.


A ida à grande cidade era um acontecimento maior que o velho castanheiro que matava a fome pelo Outono, que a castanha servia para todos, mesmo para o porco enfezado, que nesses Outubros ganhava cor e um certo garbo.


- Eram outros tempos, esses tempos de miséria…Disse isto enquanto fazia dama no tabuleiro de companhia diária, perante o desagrado do jovem jogador de cabeça cansada de ser coçada.


- Chico traz aí uma taça que paga o moço.


- Olhe que a partida ainda não está perdida, refilou um pouco ansioso o condenado.


- Condenado a não pagar, que Mestre João sempre fazia questão de não aceitar, no preciso momento em que uma certa vergonha e desilusão puxava da carteira para cumprir a pena…


Era uma espécie de lição gratuita de civilidade, de fair-play, palavra que não lhe dizia coisa nenhuma.Gostava mesmo era de jogar.


Podia ser às damas, ao dominó, ou às cartas. Acompanhava-o desde novo uma especial apetência para os jogos, mais uma estrelinha de sorte, que lhe trazia as cartas precisas na altura certa, ou a distracção de uma má jogada do opositor no momento ideal.Toda a gente lhe reconhecia a sagacidade e lhe elogiava o bem jogar. O seu nome era admirado de pai para filho, vivia nas histórias de jogo e até nas de pesca, onde aí também a sua mestria dava cartas.


Não havia rio ou riacho na região que não lhe conhecesse os passos silenciosos, que em vez alguma os galhos tombados das beiradas tiveram algo a dizer, nem truta que fosse lhe fugiu por causa de um descuido de bota a estalar o caminho sorrateiro dos amiais.


Todos se perguntavam do porquê de descobrir com facilidade os locais onde o peixe tranquilo se escondia, de adivinhar os seus movimentos, as suas insondáveis vontades e caprichos.


Parecia que lhes tomava vantagem, esperando-os na curva da surpresa, onde a fome avista a minhoca e a abocanha decidida.


Aos oitenta e um, João de Barbudo não é homem de hábitos rígidos. Para além das duas idas diárias ao café da aldeia, mais ninguém lhe consegue seguir os passos e, há dias até, em que o fiel “pintas” lhe não põe olhos e língua em cima, e não tem outra alternativa que não seja ladrar á anafada vizinha da casa em frente, esperando uma caridade em forma de osso.


A sua independência e autonomia rivaliza com a de todos os outros idosos, para quem o simples percorrer de caminho de casa à igreja se assemelha a um calvário, várias vezes feito, como se procurassem expiar os pecados de uma existência curvada ao peso de anos, amparando-se na bengala da rotina.


Naquele sábado á noite, dia de futebol na televisão, levou-o ao café do Chico uma vontade de beber um brandy morno e um café, que o cigarrilha, essa trazia-a de casa para uns momentos de gozo de fumo, gesto que não repete muitas vezes, mas que faz com verdadeiro prazer, expirando largamente o fumo que não chega a engolir.


Ao fundo joga-se sueca.


Velho João, que não é velho, gosta de se sentar a ver o jogo sem dizer palavra, ao contrário de muitos a quem só lhes falta jogar a carta pelos intervenientes. Uma coisa irritante…


O Espanhol refila sempre, mas é um belíssimo jogador, dos mais respeitados, mais não seja pelo vozeirão habituado a competir com as barulhentas rebarbadeiras que usa na sua actividade.


O Manel Fininho, rapaz mais novo, é seu parceiro nesse dia e já esgotou todas as teorias para se justificar perante o Espanhol da opção de jogar a bisca. Sem sucesso.


Com as duas “caralhadas” sonantes que lhe são dirigidas, Manel fica a desconfiar até da própria existência.


A selecção está a ganhar por três a zero o que retira interesse ao jogo, mas não ao de cartas. Chegou ao café um par já conhecido, homens da Barca, gente costumeira nos jogos a dinheiro.


Distinguem-se pelas samarras de gola de pele e pelo enchumaço da carteira no bolso de trás. Deixaram o Opel Kadete GT Turbo a refilar na rua com um cão menos interessado em marcas.


O Chico, o dono do estabelecimento gosta dessas emoções. Gosta de apostar o que tem e, às vezes o que não tem. Gosta da sensação de poder desafiar o destino que lhe querem reservar, de vinho a copo e diárias ao meio-dia.


Uma ou outra vez havia provado o sabor azedo de fel da perda, centenas de contos de uma só vez, dizem.


Naquele dia o comerciante tivera uma espécie de premonição de sorte, coisa vulgar entre os jogadores de cartas, uma espécie de sintoma de vício, que o jogador identifica mas é incapaz de combater.


Assim, quando os forasteiros lançaram de um trago a ideia de um joguito a dinheiro, logo Chico, de coração na boca largou um entusiasmado:


- Vamos a isso!


O avental soltou amarras da cinta e espalhou-se amarrotado num dos cantos da arca frigorífica, com ele o cheiro a carne e molho da refeição do dia.


Passou os dedos engordurados no cabelo e quase sentiu uma réstia de cheiro do After-shave Dénim que a mulher lhe compra na mercearia do Neca.


Estava pronto.


De uma prontidão quase sufocante, o grupo das cartas foi conduzido para lugar mais recatado, nas traseiras do café, fechando-se portas para quem vinha de fora, que por aquela hora também seriam poucos.


João de Barbudo ficou na sala, estava a saber-lhe bem o Brandy e ainda voltaria a acender o puro. Nunca quisera saber de jogos a dinheiro e também não seria hoje o dia.


Dos fundos começava a chegar o eco das primeiras emoções. Barulho de dedos a bater na madeira, vozes a acompanha-los, seguidas de decididas análises à jogada, como que explicando o óbvio a quem via.


Chico estava a ganhar. Corria-lhe bem o jogo e ele até já sabia que iria ser assim. Tinha-lhe soprado ao ouvido um anjo vestido de valete na noite anterior.


Estava entusiasmado e mandou o moço buscar uma rodada para toda a gente.Acontece que tão depressa como começou a ganhar, com a mesma volúpia, começou a correr atrás do prejuízo, apostando cada vez mais dinheiro, subindo paradas em cujas franjas já não tocavam fanfarras, que a desilusão geral da assistência já não fazia bater as baquetas da sorte.


A coisa estava negra, tão negra como a noite que se adivinhava lá fora. Os vidros embaciados, mistura de ressoado ar e sujidade, que escorria agora para dentro do desconsolado jogador. Em pouco tempo voaram do seu bolso os dias todos de apuro da semana e já assinava cheques, coisa que só fazia para pagar a alguns fornecedores, num febril e alucinante ritmo.


Estava perdido. De um desespero enganado de que ainda dava a volta ao resultado, o mesmo desespero que por certo acompanhava os Arménios, a jogar com Portugal e a perder por quatro ao fim de 89 minutos.


João, carpinteiro da vida, tinha aprendido a escutar os silêncios, mais os ruídos surdos do desânimo. Apercebeu-se de que algo se passava. De muito mau.


Chico suava mais que um porco enfezado antes de Outubro. Estava à beira de naquele poker de emoções, perder anos de trabalho, de vida dura como a madeira dos pipos, de se desgraçar…A determinada altura, a perder mais que o que algum dia lhe fosse possível ganhar, arriscou tudo…


- Jogo tudo o que perdi, por troca com o meu café. Com uma condição:


- joga por mim as últimas partidas, defendendo a minha honra, Mestre João de Barbudo…


Os elementos da mesa, mais os dois “estrangeiros” em ar de conluio, riram-se da pretensão…


- Já disse! Resmungou, agarrando-se à fama de Mestre João, que ainda nada sabia do assunto.


Procurou-o pelo cheiro do charuto que da sala se encostava às paredes, chegando sem avisar à mesa de jogo. Só agora o havia sentido. Só agora.


- João, você foi amigo de meu pai…começou por dizer.


- Foi, dizem por aí até, namorado de minha mãe antes de meu pai chegar aqui para se estabelecer…


- Preciso que me ajude, por favor.


O de Barbudo, continuou mudo.


- Rogo-lhe por tudo que jogue por mim e tente recuperar o meu dinheiro, a minha casa, a minha vida. Por favor, repetiu.


Mestre João levantou-se, apagando um nada de tabaco negro sobre o barro pintado do cinzeiro.


- Com uma condição, disse o velho, que não era velho.


- Qualquer uma, respondeu-lhe o aflito jogador, ganhando um pouco de cor.


- Jogarei por ti na condição de que será a última vez que o faço. Nunca mais tocarei num baralho de cartas, nunca mais jogarei jogo algum que seja, apagarei da memória todos os dias passados, todas as lições que dei, todos os que nunca souberam perceber o jogo e o seu prazer.


- Tu farás o mesmo, sem nunca o teres chegado a compreender…


O aflito disse que sim com a cabeça, mas não chegava. Era preciso a palavra.


Essa que o vento leva enrolada noutras, que formam bola, todas juntas, novelos de cada um, meada que ninguém segura do outro lado do fio.


- Prometo-lhe Mestre. Juro-lhe pela minha mãe.


- Jura-me por ti, por quem és. Não jures por quem não está, já partiu.


- Jura-me pelos dias todos em que te vi crescer!


- Jura-me porque estive por perto!


- Jura-me porque te guardei no peito sempre!…


- Juro.João de Barbudo que não o era, acercou-se da mesa de jogo, cumprimentou olhando cada um nos olhos.Foi recebido com respeito.


Desviaram-se cadeiras nos olhos cansados de alguns, arrumaram-se copos num soslaio.


O jogo final estava lançado. Distribuídas as fichas, alinhadas as cartas, e um bater nervoso de pé de alguém que a toalha escondia…


- Full house, e João recolhe as fichas.


- Poker de valetes!


- Full de ases e recolhe o dinheiro perdido e alguns cheques…


Passadas poucas jogadas, que a parada era alta, João jogador que deixaria de ser, velho que não era, olhou o adversário final que lhe restava. Nos olhos, mais uma vez.Viu-lhe a alma, e o outro sentiu um arrepio, que iludiu num trago que lhe esmurrou o estômago.


- Vamos a isso, disse o da Barca engolindo a azia que lhe retornou ao sítio de onde veio e novamente á boca numa baforada sem aviso.


- Tudo ou nada, quase soluçou…


Chico acenou apressado com a cabeça.Mestre João disse-lhe:


- Lembras-te do que prometeste?


- Sim, respondeu rubro e cabisbaixo.


- Ergue a cabeça então e vê a tua vida em cada carta que eu levantar. E seja qual for o resultado disso, aprende.


O Coupier lançou em quase slow-motion as cartas para a mesa. As vozes pareciam demorar uma eternidade a sair das gargantas, sinalizando as opções.


Era decisiva a carta que levantaria.Ou completava a sequencia Royal que tinha de copas ou o bluf do outro, do da Barca, terminaria ganhando com dois pares, que não tinha mais que isso…


Faltava-lhe a dama. A de corações partidos, a que um dia o deixou para outro sem aviso. A que partiu para a terra funda, sem nunca ter dito uma palavra que fosse de conforto, nem que isso fosse uma espécie de murro no estômago…


Recolheu a carta.Levantou-a para os olhos verem. Brilharam rubros ao fundo, na primeira imagem que os outros viram através deles.


Era uma copa sim a carta.


Mas não era a dama…


Francisco Milheiro, o Chico, caiu redondo no chão que já não era seu. Já nem isso tinha.


Mestre João de Barbudo recolheu o baralho da mesa guardando-o no bolso, mais o casaco da cadeira. Colocou o seu chapéu de aba, abriu a porta com cuidado e saiu.


Nos meses que se seguiram, a vizinhança deixou de ouvir ladrar o cão.


O “pintas” tem comido por casa. A sua actividade e aspecto cuidado é quase a única garantia que têm de que João de Barbudo, jogador extraordinário de todos os jogos, está bem.


Deixou de sair, é avistado de fugida algumas vezes a enrolar estranhos cordéis, fazendo novelos que depois deixa largados no jardim.


Ninguém sabe bem o que lhe irá na alma. Contam-se já as histórias que se transmitirão nos tempos futuros, de geração em geração.……………………………………………………………………………………………..............


Um dia o “pintas” voltou a ladrar à porta da anafada Gorete costureira.


Mas não foi por um osso.Ladrou para avisar que o dono partira. De vez. Numa viagem sem regresso.


Estava deitado tranquilo na cama quando foi encontrado. Vestia o fato que habitualmente levava para a pesca, as botas de borracha, e ao lado a cana truteira alinhada com o cacifo.


O funeral foi simples. Como não tenha família viva, o cortejo fúnebre conseguiu levar algumas gentes da terra, mais uns velhos, que eram mesmo velhos, seguros por bengalas de tédio.


Segurando o caixão, numa das abas, Francisco Milheiro, bilhete de identidade caducado por falta de uns trocos, o Chico.


O que também era de Barbudo.


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Recolhido por caridade em casa de um amigo da freguesia, Chico nessa noite fechou-se no quarto, barriga de fome dilatada, para uma noite mal dormida, agachado como um ovo nos seus pensamentos.


Bateram à porta.


O Fredo disse de fora:


- Ó Chico, está aqui um oficial de justiça para falar contigo…


Abriu a porta desdobrando-se sobre si mesmo, como que arcando com a consequência lógica de um final sem história…


Mas a história era outra.


- Sr, Francisco Milheiro?


- Sim, sou eu.


- Venho notificar o Sr. de que na próxima sexta-feira, pelas 14,00, na Secretaria do Registo Notarial, será lido o testamento de João Afonso Morgado, tendo o Sr. sido arrolado como herdeiro.


Não queria acreditar em tal coisa. Herdeiro?


Ele que havia perdido tudo, e até, pensava, a consideração de Mestre João.


No dia indicado deslocou-se ao local de leitura previsto. Quando pensou que estariam lá outras pessoas, estranhamente ele era o único. Ele e o Notário. Olhos nos olhos cabisbaixos de Francisco.


- Passo a anunciar os bens em testamento de João Afonso Morgado:


- Uma casa sita no lugar de Pena


- Um valor em dinheiro de 193.234 euros.


- Uma carta e um baralho de cartas para ser entregue a Francisco João Milheiro de Sousa.


E dizendo isto entregou o envelope e o baralho ao Chico, referindo que essa era, antes de mais, a vontade do falecido.


Dizia assim:




Caro Francisco,


Espero que ao receberes esta carta te encontres bem contigo próprio.


Fui-me embora, desculpa.


Deixei de ouvir o barulho da água, que sempre ouvi, mesmo sem ir à pesca.


Deixei mesmo de saber falar com os peixes.


Podes não entender o que te digo, mas acredita que se parares para ouvir o teu coração, se desejares muito isso, sentirás todos os rios dentro de ti, todas as cachoeiras da alma a fluir no teu peito.


Tenta…


Há palavras que nunca te direi. Desculpa-me por isso.


Vive cada dia da tua vida como se fosse o primeiro dia. E como me lembro ainda disso…


Deixo-te todos os meus bens. Guardei ao longo dos anos tudo aquilo que não me fez falta, não é muito, é um começo de nova vida para ti.


Espero que a promessa que me fizeste de que nunca mais jogarias se mantenha até ao final dos teus dias.


Por ti.


Nota: Naquele dia, naquele último jogo, a carta a sair deveria ser a dama de copas, como te recordarás. Se a procurares no baralho que recolhi nessa noite da mesa, não a encontrarás.Faz disso a primeira lição da tua nova vida.


FIM




Conto a incluir no meu próximo livro. Todos os direitos registados